quinta-feira, 14 de junho de 2007

Saga dentária 3

A sorte é que não está fazendo frio. O azar é que tem muita gente. Em São Paulo e no mundo. Sorte das pessoas e dos cachorros, que se estendem num lugar qualquer, rua ou calçada, iluminados. Gente, muita gente, e alguma tristeza. Talvez hoje seja apreensão. Um outro dia será tristeza. Quando se caminha, olha-se pra frente, destino apontado, olhos vendados e pés com gps. Mas quando se está no metrô e não se tem um livro e não dá mais pra ficar lendo os lembretes de compras de materiais e diplomas universitários, tem que se encarar os olhos cansados, a pele seca, as mãos apertadas entre os dedos, entre uma sacola ou três. Todos cansados do trabalho.
Nunca tive muita certeza do trabalho enobrecer alguém. Minha mãe dizia que até ser gari é digno. Mas confio mais no “colocar-se no seu devido lugar”. O poder que mantém os garis e os presidentes, os industriais e os mendigos, o dinheiro e a preguiça. A dignidade não está no trabalho, está no homem, na pessoa que a carrega. Nunca quis contrariar muito a minha mãe, mas, no silêncio, fico deste meu lado.
Fiquei confuso hoje, com tanta gente, logo cedinho, nas ruas. Metrô parado (uma greve que entra pelos intestinos dos pobres), carros liberados, o suor atrasado. E a pedra de Sísifo vai sendo arrastada e rolada, enquanto os deuses riem do filho bastardo e desobediente. Hoje quem me atendeu foi a dra. Cecília. Periodontista. Gengiva, limpeza e dá-lhe arrancar-me a alma em cada estocada e pingos de sangue. Essa coisa de ter dente ta me dando no saco. Dizem que já há vacina para a cárie. Mas e o dinheiro? E a Cecília? E eu nem posso me esconder do meu medo. É ultrassom, pazinhas de ferro, agulhas, sugadores, gazes e algodões. Mas há o dinheiro, e eu não posso nada contra ele. Não fosse a disposição destas mulheres!
Sorte têm os cachorros, mais bonitos que os santos assustadores pregados nas paredes. Defendem tudo o que podem e geralmente têm os dentes bem feitos e fortes. Não empurram pedra e discutem só o necessário. E tomam sol quando precisam do sol, e água quando precisam de água. Não reclamam das cáries e só ficam tristes quando estão presos. E pensar nos homens livres que não conseguem um puto de felicidade! E haja celulares de último tipo pra tapar com vento o vazio das conversas e distanciar as salivas e adormecer as palavras.Mas como pode ser feliz uma pessoa que tem dentes?

2 comentários:

Anônimo disse...

hehehe

olha...

vou te dizer que eu gosto dos meus dentes...

aparentemente

só me deram trabalho quando inventei de usar aparelho. Veja só, me disseram que eu usaria pra ficar mais bonita! Que absurdo! Lembro-me que eu parecia um monstrinho cheio de ferros e dor...

enfim...

acho que é preciso ser feliz... apesar deles, dos dentes.

carol

drica disse...

Olá querido,
Fiquei triste por não conseguido amenizar a sua neura com dentistas. mastudo br, nrm todos os medos têm cura. Coninuo te gostando muito. Sua dentista querida (ha, ha, ha)
Adriana