domingo, 24 de julho de 2016

Eu me vejo na mesma sorte de sempre
Na sórdida ventura encardida do destino
Fonte de semblantes pintados, sobrancelhas
arqueadas, queixos, riscos e pensamentos.

Inúteis são os santos e os mitos, quase o esmo
da fortuna. Ainda longe do diálogo, recordo
a mudez de um passado; os sonhos vertendo
nas tardes imersas em mornos cheiros ácidos.

Corto o ventre
como em um campo
se corta o orvalho

Sou falho como uma colher sem corte nem brilho
sucos que escorrem pelo ralo e vão dar nos cimentos
espessos das calçadas, sob o asfalto, sem respeito aos faróis,
aos semáforos. Saboreando as virtudes das barracas nos
cantos das ruas, nas avenidas feridas de artérias azuladas,
sobre os viadutos suspensos em trapézios futuros
sem medo e sem rede de proteção que nos resguarde da queda.

Ave Maria, cheia de graça...
minhas crenças escorrem em meras palavras secas.
Não rezo nem que me paguem
faço a vez de um enganador. Ave...
nada mais que voe tão alto.

Vou apagar da areia os resquícios
que deixaram as mãos frágeis de um idiota
os desenhos débeis das loucuras em rabiscos
as máquinas que ainda fervem e produzem
dúzias por segundo de névoas escuras, de
esperanças carnais, de vultos imaginários e reclusos.

Um dia eu tive um quarto que nem era meu
me deitei solitariamente num beliche de madeira
e esqueci que era uma segunda-feira à noite
Os rostos me olhavam e me julgavam
julgavam o fim da tarde e quanto duraria este estado
de coisas. Pousavam as mãos sobre meus olhos
pesados e cultivavam em mim uma passagem,
de tempo, de espaço, de som e luz. Minha mãe
escurecia o meu sono.

Podia comer todo o macarrão
e me deitar sem culpa. Era uma ilusão, um corredor
Ninguém feriria a rua,
o portão,
o cachorro
e o seu latido.