quarta-feira, 13 de junho de 2007

Saga dentária 2

Nunca vou ter uma boca perfeita. A perfeição é um desejo. Só. Ela nunca chega. É como a tal da utopia, inalcansável. Mas necessária pro caminho. Também tem muita gente que liga o “que-se-fôda” e manda à merda a perfeição. Tudo vai mudando mesmo. Nesse roda, nesses giros, lá se vão as perfeições, sem saber pra onde.
Seis e meia da manhã, no inverno, apesar do calor que faz, o sol só apareceu de forma indireta, mudando as cores do céu, enviando uma ou outra ondinha de um morno que lembra a cama. Mas o dia lindo, mesmo com a presença narcótica do sono, faz a gente acordar. Pelo menos estar de olhos abertos com uma sensação de sonho.
A entrada do prédio onde fica o consultório odontológico é estreita. Tudo é estreito no Centro de São Paulo. E as paredes têm um tom acinzentado, como se houvesse sujeira nas ranhuras, nos rejuntes dos azulejos, nas bordinhas dos vidros onde fica aquela massinha para grudá-los. Tenho a impressão de quem provoca isso é a história.
Milhões delas, anos e anos delas. Impressionam, dão medo. Penso que a história é suja. Mas também acho a sujeira bela, assim como o medo. Essa coisa de ser limpinho é neurose do demasiado humano, é um medo da morte, dos vermes. Mas tudo isso não é também a vida?
A Clau perfura meu dente. Ela é bonita e isso me tranqüiliza. Não sinto nada por causa da anestesia. Ela enfia uns ferrinhos até o fundo, procurando meu cérebro. Me disseram que eu tenho a raiz do dente muito profunda. Eu penso nas raízes e em Araraquara. O que adianta ter dentes de raízes profundas se me tornei flutuante? Tão perdido.
Não doeu nada a intervenção da Clau. Sinto vontade de vomitar ao tirar a radiografia. Uma, duas, cinco vezes. Acho que ela desistiu. Tomara que não sinta raiva de mim. Uma dentista como inimiga é um horror.
Saio pelas ruas do Centro. Já tá todo lotado. Os camelôs se preparam. DVDs no chão, jogos de azar, grana na mão, carrinhos de recolher entulhos e cachorros protegendo os donos da rua. Alguns dormem no chão, sob cobertores. Debaixo de um, uma garota, tatuada, bonita, ao lado de um garoto que eu não vejo o rosto, só as pernas lisas como uma criança gigantesca.
E depois tem as igrejas.

3 comentários:

Anônimo disse...

Ai que ótimo!
Que ótimo saber que existe um cantinho no universo internético, onde eu posso ler, de vez enquando, as palavras combinadas por você, com sua acidez, poesia e inteligência!
Muito bem, senhor Ia Paulo!
Escreva... escreva... que eu vou lendo daqui do outro lado do Atlântico suas aventuras, odontológicas ou nao.
Um beijo vermelho e amarelo,
Carol

Roberto disse...

Quem bate esquece, quem apanha nunca esquece!!!
Iã, ainda bem que você nunca me viu desta forma...
Abraços.

Cardápio Delicadeza disse...

Ia Paulo voltava Ribeiro!

Quem diria heim rapaz! vc blogado no mundo!

Abraços

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