Só consigo lembrar os nomes das ruas se passo com freqüência por elas e se, com a mesma freqüência, leio as placas. Na Florêncio de Abreu com a Ladeira Constituição (não vi nenhuma preposição “da”), um caminhão tenta fazer a curva para descê-la. Embaixo, parece uma espécie de mercado, mas sei que estou errado quanto a isso. O caminhão carrega um enorme container, destes de navio. As pessoas ficam olhando, desacelerando os passos. Uma mulher com o carro estacionado, destes com caçambas, vende café e bolos. Alguns se reúnem por ali, vendo o caminhão fazendo a curva. Umas letras em chinês impressas grandes no canto do vermelho-terra do container. Os bolos têm um aspecto agradável, lustrosos por cima. Não sinto o cheiro do café. Sinto o cheiro da manhã.
A cada dia o sono vai apertando meus olhos e me atrasando na cama. Acordar cedo é bom, mas dá um sono! A dra. Cecília disse que eu me acostumaria, que a cada dia ficaria menos nervoso, mais relaxado. Mas eu sou um doente mesmo. A cada dia me sinto mais nervoso. A intervenção é rápida, sem dor desta vez. O sol bate nas persianas. Uma janela deixa que vejamos o céu, que vai se tornando todo azul. As nuvens vermelhas, lindas, escorregadias como uma pincelada aleatória numa tela de linho, vão sumindo. Perco suas transformações. Aperto as mãos, os pés, suo. Tento bancar o homem, o macho, mas sei que essa coisa de saber agüentar a dor é com as mulheres. Quer dizer, sei por dizerem. Com o medo, a vida se perde um pouco. Sem o medo, torna-se totalmente vazia.
O Viaduto Santa Ifigênia é amarelo. Com gradeado de ferro. A impressão é que camadas líquidas de ferro foram sendo derramadas, dia a dia, engrossando as voltas amarelas, os meandros cobertos da fuligem escura de tudo quanto é fumaça. No final do viaduto, atravessando um conjunto de ruas que se encontram, há uma igreja. Parece feita de pedra, pichada por fora com letras de descasos, talvez revoltadas pela beleza incompreendida. Há avisos de dízimos, apelos feitos no computador e impressos num sulfite já um pouco surrado. Os santos são mais tímidos, cabeças baixas, roupas mais simples. Sinto a força da opressão no peito.
Volto para o viaduto. Fico olhando um pouco o rapaz com três tampinhas e uma bolinha preta que vai pedindo as apostas rapidamente. Presto atenção e acerto onde a bolinha está umas quatro vezes. Mas eu sei que ele é muito mais esperto e não aposto nada. O dinheiro está envolvido, mas não é o que me interessa.
A Praça da Sé me espera. Espera todos, todos os dias. Uma cúpula de um verde brônzeo se ergue por trás. Não gosto de parar assim à toa. Não enxergo direito por onde ela cresce. Sou um bicho e preciso aguardar os botes da escada rolante, do aperto de ombros. Os rostos não condizem com o fresco ventilar do dia.
É uma pena termos nos perdido tanto!
sexta-feira, 15 de junho de 2007
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5 comentários:
Cara, que lindo texto, quanta riqueza de detalhes, quanto poesia sólida nesse tempo oco.
A narrativa é perfeita, e o desfecho dela então... aja borboletas nos meus olhos, aja flores nesse meu pensamento com cheiro de praia, mar e breja.
Paz.
Réginaldo.
Nossa, umas visitas ao dentista renderam tudo isso? Adorei seus textos!
Abraços,
Taís Barato
pela primeira vez na vida, gosto cada vez mais de saber que estou perdida!
(nem era pra rimar, porque parece que fica bobo, hehe)
beijao, Ia Paulo
Carol
Eu estou por aqui, curtindo seus textos.
Beijos!
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